Artigo: Quanto vale o Judiciário?
Recente relatório do Tesouro Nacional pulgou que o custo do Poder Judiciário brasileiro em 2022 foi de R$ 116 bilhões, o equivalente a 1,6% do PIB. Nesses números estão incluídos o STF e os tribunais superiores (STJ, TST, TSE e STM), bem como todos os tribunais estaduais, federais, do trabalho, militares e eleitorais. E, também, promotores, defensores e procuradores públicos. No centro do sistema, mais de 18 mil juízes, 270 mil servidores e 145 mil colaboradores compõem a instituição de maior capilaridade do país, que atua em todos os seus 5.600 municípios.
Quanto custa o Judiciário não é uma questão irrelevante. Mas a indagação correta talvez seja outra: quanto vale o Judiciário? Mais desconhecido dos Poderes, sem armas nem a chave do cofre, todas as democracias reservam para ele um lugar especial. O que faz, exatamente, o Judiciário?
O papel do Judiciário, em uma sociedade civilizada, é solucionar conflitos, interpretando e aplicando a Constituição e as leis, elaboradas por agentes públicos eleitos. Juízes, como regra geral, não são escolhidos por votação popular. Trata-se de um poder exercido por agentes públicos selecionados por sua integridade, competência técnica e capacidade de atuar com imparcialidade, sem ingerência política.
As democracias constitucionais preveem, ainda, a existência de supremas cortes, que controlam a constitucionalidade dos atos dos outros dois Poderes. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal desempenha essa missão. Uma Constituição abrangente, como é o caso da brasileira, dá ao tribunal um papel e um protagonismo sem iguais no mundo.
Antes da “invenção” do direito e, especialmente, do Judiciário, os conflitos sociais eram resolvidos por guerras, duelos ou confrontos físicos. Juízes, advogados e Ministério Público são a alternativa que a humanidade concebeu contra a força bruta, a barbárie. Em vez de canhões, balas e socos, os conflitos são resolvidos pela apresentação de fatos, provas e argumentos. Na sequência, um árbitro sem interesse no litígio decide quem tem razão. Parece simples, mas mudou o mundo.
A Justiça brasileira é, provavelmente, a mais produtiva do planeta, julgando definitivamente mais de 30 milhões de processos por ano. Nossos juízes julgam quatro vezes mais do que a média de um juiz europeu. E para quem preza a questão financeira, o Judiciário arrecada para os cofres públicos cerca de 70% do que despende. Duas observações importantes: quase metade das ações tramitam com gratuidade, em prol das pessoas carentes; e o maior litigante do país, que é o poder público, não paga taxa judiciária nem custas.
Juízes são recrutados mediante árduos concursos públicos. No Exame Nacional de Magistratura, recentemente criado, esperam-se entre 50 mil e 100 mil inscritos. Além da faculdade de direito, são anos de preparação para os concursos. O ingresso na carreira é exclusivamente por mérito, sem dever favores.
Juízes são alguns dos profissionais mais bem preparados do mercado, embora ganhem substancialmente menos do que atores de sucesso no ambiente jurídico privado. Os abusos remuneratórios que se noticiam aqui e ali são graves e devem ser corrigidos, mas não invalidam o quadro geral.
Em qualquer sociedade civilizada, Justiça é gênero de primeira necessidade. Há na sua atuação um valor inestimável, que não se mede em dinheiro. Correção de injustiças, pacificação social, punição de crime, reparação de danos, eleições limpas, proteção do consumidor, do meio ambiente e da saúde, entre outras, são utilidades sociais que fazem a vida e o mundo melhores. Coisas que têm valor, mas não têm preço.
O Brasil tem a Justiça ideal? Não tem. Estamos trabalhando intensamente para torná-la melhor e mais célere. Tampouco temos a universidade ideal, a política ideal, a medicina ideal, a polícia ideal. Somos uma democracia jovem e em construção. Existem decisões da Justiça criticáveis ou incompreensíveis? Certamente. Assim como existem erros médicos, violência policial, ensino ruim ou desvios de verbas. Instituições precisam ser sempre aperfeiçoadas, mas isso não as torna menos essenciais.
O custo da Justiça pode parecer alto, mas o da falta de justiça é bem maior.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso