História do Judiciário: Desembargadora Maria Mercis Gomes Aniceto
HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO: DESEMBARGADORA MARIA MERCIS GOMES ANICETO
Por Desembargador Robson Marques Cury
22/08/2022
Atualizado há 535 dias
Maria Mercis Gomes Aniceto, filha de José Aniceto e Ana Gomes Aniceto, nasceu em Ourinhos (SP), em 18 de agosto de 1947. É bacharela em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, turma 1971.
Iniciou sua carreira na magistratura em 03 de junho de 1977, após concurso, como juíza adjunta da comarca de São José dos Pinhais. Aprovada em novo concurso, no dia 9 de agosto de 1978 foi nomeada juíza de direito e judicou nas comarcas de Reserva, Rolândia, Araucária e Curitiba.
Em 28 de setembro de 2004, foi nomeada juíza do Tribunal de Alçada e, no dia 31 de dezembro de 2004, foi promovida a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná.
Bacharela em Filosofia.
Nosso amigo comum – desembargador Valter Ressel -, acedeu gentilmente para alinhavar:
“MARIA MERCIS
Eu tive a felicidade de conhecer a colega Maria Mercis Gomes Aniceto no ano de 1975, se não me falha a memória, quando fomos aprovados em concurso público federal para o Ministério do Trabalho, lotados na Delegacia Regional do Trabalho do Paraná, para exercer as funções de Inspetor do Trabalho (denominação da época, hoje Auditor-Fiscal do Trabalho).
Ali conheci essa notável mulher, determinada, séria, dedicada e claramente comprometida com as funções que acabávamos de abraçar, funções de alta relevância e equilíbrio social, pois fiscalizávamos e orientávamos relações entre o capital e o trabalho, entre em empregadores e empregados.
Mais tarde, em 1977, estávamos juntos em outra jornada, um grupo de estudos preparando-se para enfrentar o concorridíssimo concurso para ingresso na Magistratura do Paraná. Maria Mercis, Robson Marques Cury e Irene Tomoco Akiyoshi Souza da Bárbara já estavam firmes nos livros, quando Robson (colega de Faculdade) me convidou e me estimulou a entrar no grupo. Nesse grupo, Maria Mercis era uma líder, bem organizada, mantinha ordem nos estudos.
Sobreveio o concurso e, felizmente, logramos aprovação e ingressamos na Magistratura naquele mesmo ano de 1977. E Maria Mercis, para a alegria de todos nós, tornou-se uma brilhante magistrada, serena, humana e amiga de todos os colegas”.
Nada melhor do que o irmão magistrado comentando a vida e a carreira da irmã magistrada.
O Desembargador José Augusto Gomes Aniceto escreve sobre a mana de coração e de alma Maria Mercis Gomes Aniceto Lowen, brasileira, negra, pobre, mulher, desembargadora, mais alto degrau da Magistratura do Estado do Paraná.
Sempre jovial, em total sintonia com as vicissitudes dos tempos e modernidades, vincula sua atuação firme na prudente análise subjetiva, eficiência, rapidez, inovação tecnológica e transparência na concretização do direito reclamado.
De perfil rigoroso na análise dos casos e aplicação da lei, não olvida da visão clara na observância dos direitos humanos, respeito às liberdades inpiduais e dignidade da pessoa, plasmados nos princípios cristãos como prioridade absoluta no exame e razões de decidir frente à dramaticidade da vida e conflitos sociais, por mais complexos que se apresentem.
Desassombrada, de convicção forte, enfrentou todos os desafios da vida nada fácil, da carreira trabalhosa, incentivada pela família, certa de que na penosa lida tudo é possível realizar, sobretudo se respeitado o direito da minoria, na perspectiva de que este poderá um dia ser transformado no bastião da maioria.
Não esconde a frustração ao questionar o quadro apresentado no País em que mais de 50% da população é constituída de mulheres, mais de 47% de negros, mas menos de 4% são juízas e menos de 7% dos magistrados são negros.
Ainda, mais de 50% dos eleitores são negros, mas sem figurar entre os eleitos e sem cargos nos escalões superiores, tanto do executivo quanto do legislativo, nas três esferas. O mesmo se observa na escada hierárquica dos ambientes profissionais públicos e privados, sinalizando o indisfarçável componente discriminatório estrutural.
Premente, pois, superar as barreiras sociais e culturais, cuja correção exige de todos, brancos e negros, postura, políticas públicas e ações afirmativas.
Há remédio, sim, para corrigir as injustiças, só não há desculpa para o preconceito e a discriminação que, maltratando a cor da pele, não raro transpassam o coração.
Não podemos olvidar da legião de vítimas caladas de uma sociedade egoísta, sem compromisso, refém de uma mídia que, no calor das fantasias, dedica seus mais nobres horários para promover a violência, os rebolados e o melhor jeito de enganar.
Maria Mercis cresceu na ora barrenta, ora poeirenta cidade de Maringá no Paraná, que então desabrochava para transformar-se na terceira melhor cidade do Brasil para se viver, onde cursou do primário à Faculdade, concluindo o Curso de Letras Inglesas, seguindo-se o de Direito na recém-inaugurada UEM, sempre no período noturno, para nunca abrir mão do trabalho diurno, como contribuição para superar as dificuldades dos pais professores do ensino primário na missão de suprir a família no sustento e estudo obrigatório.
Professora e advogada combativa, logrou aprovação para a Magistratura, iniciando carreira em 03 de junho de 1977 como Juíza Adjunta na Comarca de São José dos Pinhais, promovida a Juíza de Direito para a Comarca de Reserva, depois Rolândia, removida para a Comarca de Araucária, promovida para a Comarca de Curitiba, alçando o cargo de Juíza do Tribunal de Alçada em 28 de setembro de 2004 e finalmente promovida ao cargo de Desembargadora, em dezembro de 2004, sempre pelo critério de antiguidade.
Agradece, envaidecida, a contribuição dos amantíssimos colegas Antonio Martelozzo, Valter Ressel, Robson Cury, Irene Tomoco Akiyoshi Souza da Bárbara, nas madrugadas e finais de semana dedicados ao estudo preparatório para o concurso em que todos lograram aprovação.
Nesse interregno, após demorado namoro, convolou núpcias com Francisco Lowen, sendo agraciados com três maravilhosos filhos, que já renderam três adorados netos.
Terrivelmente católica, com a fé e a medicina venceu a leucemia que a acometeu e debilitou por longos e penosos anos.
Descontraída, ri ao lembrar da agitada tarde em que se encontrava no seu gabinete de trabalho quando adentrou um casal desconhecido, tendo o varão se identificado como réu por ela condenado, que teria cumprido longa pena na PCE. Assustada, rememorou o bestial crime e logo pensou, “pronto, tanta luta para morrer assim, indefesa no cumprimento do dever...”, quando o cidadão completou, “só viemos aqui, eu e a agora minha esposa, para agradecer o bem que me proporcionou a rigorosa pena que a senhora me aplicou. Certo de que paguei minha dívida com a sociedade, sou um novo homem, com nova vida, feliz. ”
Em paz, consciente do dever cumprido, vencidos 45 anos dedicados à magistratura, precipita-se sua aposentadoria aos 75 anos de idade, na plenitude da sua saúde mental e intelectual, madura, de trato afável e gentil, mas sem perder a ferrenha combatividade por uma sociedade aberta, democrática, com as garantias da intangibilidade dos direitos dos brasileiros, do espaço das liberdades fundamentais e prevalência do interesse coletivo.
Contagiada pela vivificante poesia de Ciro Silva, queda-se emocionada ao lembrar do dia em que foi reconhecida cidadã da metrópole que adotou como sua terra natal, “cidade linda e amorosa da terra de guairacá/jardim luz/cheio de rosas/Capital do Paraná/pela vidente paisagem/pela riqueza que encerra/Curitiba tem a imagem/de um paraíso na terra”.
Curitiba, cuja paisagem e monumentos despertam a curiosidade do mundo pela genialidade de Poty Lazzaroto, Jaime Lerner, João Turin e Expedito Rocha, guarda intocada também a arquitetura vernácula africana, expressa na imorredoura taipa de pedra.
Mulher negra, juíza, minoria, seja essa passagem feliz uma mensagem a comunicar para a geração presente, assim como motivo para a geração futura construir novos capítulos, em que cada uma e todas realizem os seus sonhos.
Ave Maria Mercis.
E eu, que tive a ventura de compartilhar contigo a realização de um sonho, acalentado desde priscas eras, quiçá em vidas passadas, o que posso dizer ... agradecer a providência por ter te inspirado e te protegido. Maria Mercis Gomes Aniceto , exemplo de dedicação à causa da Justiça por mais de quarenta e cinco anos.
Por Desembargador Robson Marques Cury